2020 foi um ano curioso. Muitos de nós passaram uma grande parte dele encerrados em casa, as viagens internacionais foram reduzidas ao mínimo, e ninguém parece saber o que está a acontecer à economia.
Portanto, responder ao que está a acontecer ao preço dos imóveis em Portugal atualmente, é realmente uma pergunta complicada de responder. Algumas estatísticas provenientes do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam uma série de dados interessantes, no entanto interpretá-los não é fácil.
Portugal fechou portas a 19 de março e reabriu a 2 de maio, muito antes da maioria dos países. Pelo que, a economia deverá estar já a recuperar, mas as estatísticas ainda não o mostram.
Por exemplo, o segundo trimestre foi terrível para a economia como um todo, com o PIB a 16,3%, segundo o último boletim do INE. No entanto, a previsão oficial do Governo de uma queda de 8,5% no PIB para este ano, é baseada na boa recuperação na segunda metade de 2020, esperando-se um crescimento de 5,4% no próximo ano. A decisão do Banco Central em alterar as suas previsões de 9,5% para um valor mais otimista de 8,1% também sugere que estão a ser feitos grandes progressos.
Na verdade, o preço das habitações continuou a aumentar no segundo trimestre, embora a taxa de crescimento tenha desacelerado fortemente de 10,6% no primeiro trimestre para 7,8% no segundo. A desaceleração foi bastante mais acentuada no setor da construção nova (até 6%) do que nos imóveis de revenda (até 8,2%); alguns investidores podem ter decidido aproveitar o melhor preço que conseguissem, a fim de reforçar seus balanços. Embora o aumento anual de preços pareça impressionante, um aumento de apenas 0,8% no trimestre anterior sugere que a maior parte desse crescimento ocorreu no final de 2019. E esta é a primeira vez que o crescimento de preços foi tão fraco desde o final de 2016.
É ainda de referir que o número de transações diminuiu cerca de 22%, sendo que Lisboa e Norte (onde se encontra o Porto e as suas áreas suburbanas) representaram uma grande proporção das vendas. O Algarve foi particularmente fraco.
As estatísticas de que dispomos atualmente são ainda difíceis de interpretar. Muitas das transações reportadas no segundo trimestre foram provavelmente acordadas no primeiro trimestre, antes do bloqueio. Assim, os números do INE ainda não mostram o resultado de voltar ao, ou estar perto do, dito “normal”.
O Idealista apresenta um índice diferente, baseado nos preços solicitados, de forma a ter um menor desfasamento de tempo do que o índice do INE. Isso mostra uma subida de preços de 1% no terceiro trimestre do ano, uma desaceleração mais acentuada, mas ainda em território positivo. No entanto, lembre-se de que o preço de venda não é necessariamente o que os vendedores receberão e não há garantia de que um imóvel anunciado no mercado seja realmente vendido.
A divisão regional do Idealista mostra que Lisboa finalmente perdeu o fôlego, com uma descida de preços de 1,4% no terceiro trimestre, enquanto Norte e o Algarve conseguiram aumentos modestos de 1,3% e 2%, respetivamente. Lisboa parece ter sofrido de dois fatores: em primeiro lugar, é de longe o local mais caro para comprar e, em segundo lugar, tem sido afetado pela incerteza sobre se os imóveis em Lisboa ainda estarão abrangidos pelo esquema Golden Visa após o final de 2020.
Alguns especialistas são pessimistas quanto a perspetivas futuras. A agência de classificação Standard & Poors está pessimista, esperando ver os preços da habitação em Portugal caírem 0,6% ao longo do ano como um todo, antes de aumentarem menos de 2% em 2021. A S&P não acredita que exista uma valorização substancial dos preços até 2022-2023, quando deverá voltar para um valor próximo de 5%. No entanto, se pretende comprar a longo prazo, isso pode fazer de 2020 e 2021 um bom momento para olhar ao redor, conseguindo negociar um preço melhor do que num mercado em rápida evolução.
Também a consultora imobiliária Imovendo sugere que a recuperação está a abrandar.
Um dos motivos é que a atividade turística realmente sofreu com a crise da Covid-19. O boletim de setembro do INE mostra que o setor do turismo caiu mais de 40%, com mais de um quinto dos hotéis e pensões ainda fechados em agosto. Tem havido muito poucos turistas estrangeiros, o que não é uma surpresa, não houve visitantes de longa duração, com os Estados Unidos e a China a descer mais de 90%, e até as visitas dos espanhóis caíram pela metade e, no entanto, tudo o que os espanhóis necessitam fazer é conduzir algumas horas para entrar em Portugal!
É provável que a ausência de estrangeiros tenha impactado o mercado imobiliário. No ano passado, os não residentes representaram 8,5% das transações imobiliárias, e 13,3% do valor total das vendas de imóveis. É possível que muito poucas dessas vendas tenham ocorrido recentemente e a terrível época de verão sugere que o impacto vai continuar, particularmente no Algarve e em Lisboa, onde os não residentes representam 38% e 36% das vendas, respetivamente.
Analisando a longo prazo, consideremos os números da construção reportados pelo INE. As licenças de construção caíram 12% no segundo trimestre, comparativamente ao último ano, e as licenças de renovação caíram até 22%. As licenças de planeamento estão agora nos níveis mais baixos desde 2014.
Mais uma vez, os piores danos são no Algarve e em Lisboa (descida de 31% e 27%, respetivamente). Por outro lado, no Norte, um mercado mais para locais, apesar dos atrativos do Porto para o investidor AirBNB, os pedidos de novos alvarás para habitação familiar efetivamente aumentaram durante o trimestre.
E se olharmos para fora do mercado imobiliário, para a economia em geral, o programa de incentivo do Governo deverá ajudar a impulsionar a economia. Um dos projetos de maior perfil é a linha ferroviária de alta velocidade do Porto a Lisboa, de 22 bilhões de euros a serem investidos em infraestruturas de transporte, e com outros 13 bilhões de euros destinados a energias renováveis.
Assim, é agora difícil ver o que vai acontecer com os preços dos imóveis. O Algarve e Lisboa parecem estar a sofrer mais com o impacto da Covid-19 do que o resto do país, podendo praticamente dizer-se que Portugal está a tornar-se num mercado com duas velocidades distintas. As áreas onde os portugueses são os principais compradores podem ver preços mais estáveis, havendo no entanto menos desenvolvimento nestas áreas e menos transações, e a maioria dos vendedores poderá estar inclinada a permanecer onde está em vez de aceitar um preço mais baixo pelo seu imóvel.
Quer isso torne Lisboa e o Algarve num risco elevado, ou em oportunidades de negócio interessantes, teremos de esperar para ver. E, claro, muito vai depender da sua habilidade para procurar imóveis atrativos e conseguir um negócio vantajoso!